L.

não me venhas sequer falar. porque eu hoje estou que nem posso .estou que nem posso comigo nem com nada .
e é isso mesmo com que eu estou. com o nada. o nada de todas estas coisas com que me deixaste depois de por mim passares.  de em mim não parares.
não me venhas sequer falar .não quero saber do teu estado de espírito .não quero saber da tua fome nem da tua sede .nem sequer quero saber de ti. 
não me venhas despejar as tuas vontades e necessidades .não me venhas despejar palavras como se o antes de ontem não tivesse tido qualquer culpa naquilo que é amanha o teu discurso para mim.
quero saber magia e fazer desaparecer os tempos percorridos na vontade de ti.
quero perder o fio à meada, e não saber onde te encontras .
não me venhas sequer falar .porque quando me falas estremeço .e por muito que tente pegar nas gotas e deitá-las fora, o rio parece querer continuar no meu corpo quando te vejo .

F.

aproximo-me da tua pele.
esforço-me o mais que a vontade insípida do tremer me permite, e falo-te ao ouvido e digo aquilo que não quero que saibas e que não queres saber.
as palavras ocas na falta de luz, transportam movimentos ocultados pela presença do som dos nossos gemidos.
toco tua aura, com meus dedos molhados, e a cor da vivência controlada transcende-se.
meu negro disfarçado ataca e nossos sentimentos (ir)reais
 enlaçam-se entre si.
corpos para cima, Iluminação renovada...

novos verbos preenchem as paredes vazias de  
 entendimentos concordantes,
a janela aberta e os sentimentos fugiram levando a  
 fantasia com eles.

sussurro
e...
restamos nós. deitados. cansados.
trocando substantivos da neutralidade dos dias.
amantes.
esquecidos.
permitimos que a invasão do quociente económico nos
 leve o calor.

os olhos cerram-se e o peso de nós eleva-se no ar.
viajamos em novas atmosferas e lá, naquele sítio, 
 encontram-se novamente nossos corpos, nossas deambulações .



C.

e no meio de todas aquelas outras coisas não sou capaz de esquecer o que o pensamento não permite mas que o corpo quer.
deixo que as barreiras que em mim criei e de mim fiz, sejam ultrapassadas na certeza de que apenas os segundos existentes entre nós podem ser reais, naquilo que é o futuro sem tempo para cada um de nós.

tu sem tempo para seres. e eu sem tempo para desistir.

e mesmo quando caminhamos aqueles passos seguros de que ambos acreditamos que o desejo se interpõe sobre qualquer outro assunto, não deixamos de saber que, na verdade, é apenas mais um mal-entendido para desculpar aquilo que nem sequer existe.

e chegamos. olhamos. não um para o outro. mas para aquele sitio lá fora e distante, em que as palavras, cheias de textos invisíveis e vazios de conteúdo, não são necessárias, e os amantes podem simplesmente virar as costas sem esperar o calor.

e depois, de colocarmos nossos corpos nesse sitio do qual esquecemos o nome, deixamo-nos ir. eu, deixo-me ir contigo. e tu, levas-me para onde eu não sei ir. e lá ficamos .e lá nos perdemos . e de lá não queremos voltar. porque é lá que as horas são minutos e os minutos escassos segundos, e todo o tempo parece simplesmente demasiado curto para tudo aquilo que sentimos e queremos provar .
e fazes-me ir. e vir. e não ter vontade de me encontrar. e perco-me algures entre aquilo que é o cheiro de te querer e a certeza de te não te ter. pelo menos amanhã. porque hoje o labirinto é apenas feito do som que respiramos .e ontem nem sequer teve importância nas margens do que não construímos.

mas o tempo não é mais do que a ilusão pintada de suor. e não sei se as horas, se o cansaço dos corpos escondidos, acaba por nos fazer voltar.
e seguras-me com medo que eu me tenha esquecido de voltar. e dizes-me que preferias que tivesse ficado, porque vou deixar de te olhar neste preciso momento.
e sinto os teus olhos pousados em mim enquanto me afasto.

(e quando nos cruzamos no final da noite pouso os meus em ti .)